A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o restabelecimento do plano de saúde de consumidora, rescindido indevidamente pela Amil Assistência Médica Internacional S/A.
A contratação da prestação do serviço de saúde ocorreu em 2007, e desde então as parcelas mensais foram todas pagas.
No entanto, em junho de 2019, a autora da ação não recebeu o boleto para realizar o pagamento. E, a partir dessa data, passou a quitar as obrigações subsequentes, de julho e agosto, sem perceber que deixou de pagar a parcela de junho.
Em setembro de 2019, ao tentar realizar uma consulta médica, a consumidora obteve a informação de que o plano estava cancelado por falta de pagamento.
Na época, tentou, em vão, resolver o problema administrativamente, através da central telefônica. Contudo, a Amil informou à cliente que o contrato foi rescindido em razão da não identificação do pagamento do mês de junho de 2019, no prazo de 60 dias, como prevê a legislação.
Assim, a empresa ofereceu como única solução a contratação de um novo plano, muito mais caro e com prazos de carências para utilização do serviço.
Apesar de ter sido julgada improcedente a ação, o Tribunal reformou a sentença por votação unânime, em acórdão proferido nos autos do processo nº 1072875-81.2019.8.26.0002.
Para os desembargadores, apesar da prévia notificação, a correspondência foi recebida pelo pai da cliente, que possui comprovadamente dificuldade de memória.
Ainda, diante do longo tempo contratual e da essencialidade do serviço prestado, ponderou-se que “a extinção do contrato, pelo mero inadimplemento de uma única parcela, sem a correta notificação pessoal do devedor, é medida desproporcional e abusiva, além do que fere o princípio da boa-fé contratual e conservação do contrato”.
Rescisão unilateral indevida do plano de saúde
O Código de Defesa do Consumidor se aplica aos contratos de plano de saúde, como estabelece a Súmula nº 469 do STJ.
A conduta da prestadora de serviço, ao cancelar unilateralmente o plano contratado, a todo custo, para substitui-lo por outro, mais oneroso e com carências, caracteriza defeito na prestação do serviço e prática abusiva reiterada no mercado de consumo, nos termos do artigo 39, inciso V, do Código do Consumidor, bem como não encontra ressonância com o princípio da boa-fé objetiva, notadamente com os artigos 113 e 422 do Código Civil.
O artigo 13, inciso II, da Lei nº 9.656, de 1998, veda a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato firmado entre as partes, salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o 50º dia de inadimplência.
Nesse sentido, a Súmula nº 94 do TJSP determina a notificação do consumidor para purgar a mora, com prazo mínimo de 10 dias, antes de rescindir o contrato. Todavia, no caso, a mora perdurou por apenas 30 dias, na medida em que, embora não recebido o boleto de junho de 2019, a autora prosseguiu com o pagamento das parcelas subsequentes, de julho e agosto.
As parcelas do plano de saúde são contínuas, e não havia nos boletos a informação de qual delas estava em mora. O artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor tipifica a prestação de “informação enganosa ou falsa” e a omissão de “informação relevante” como infração penal no mercado de consumo. A pena é de detenção de três meses a um ano e multa.
Observa-se que, embora recebidos os pagamentos após junho de 2019, a Amil deixou de abater o débito anterior, bem como permaneceu enviando os boletos, que foram todos quitados, o que induziu a consumidora a crer que não havia atraso.
Como se não bastasse, a autora não recebeu pessoalmente a correspondência aludida no artigo 13, inciso II, da Lei nº 9.656, de 1998, e na Súmula nº 94.
Por isso é que se mostrou indevida a rescisão unilateral do contrato. A função social dos contratos, ao final, restou prestigiada, pela inteligência do artigo 421 do Código Civil, com o restabelecimento do plano de saúde, nos mesmos moldes.